(ALENCAR, Claudiana Nogueira de. Linguagem e Medo da Morte: uma introdução à Linguística Integracionista. Fortaleza, EdUECE, 2009, 205p)
Segundo Câmara de Senna (1980), “há pessoas que falam, gesticulam, olham e sentem como quem está sempre com o coração em riste.” Assim é a postura de Claudiana Nogueira ao longo de todo seu livro “Linguagem e Medo da Morte” cuja Linguística Integracionista é apresentada em paralelo com um conjunto de denúncias acerca dos problemas advindos da tentativa de supremacia que alguns linguistas mais ortodoxos reclamam ter a chamada ciência da linguagem.
Em cada capítulo do livro vemos a autora arvorando uma bandeira que passa, fundamentalmente, pela liberdade advinda de uma ciência linguística que se desprende de certa "soberba científica" que é peculiar a saberes sistematizados pela humanidade e posta sob o cabresto de uma pseudo-autoria que forja, a priori. um ineditismo temático.
Claudiana Nogueira, assumindo coragem para todos os enfrentamentos possíveis aos ditames da Linguística ortodoxa, desafia o medo da morte sob a égide da linguagem como forma de vida em Wittgenstein.
Os quatro capítulos que compõem a obra da linguista que tem Pós-Doutorado em Semântica e Pragmática pela UNICAMP apresentam reflexões oriundas da prática discursiva crítica que a autora vem fazendo. Todo esse know-how é corroborado por uma vasta militância na ciência da linguagem, haja vista, 16 artigos científicos publicados; 18 participações em livros publicados como autora e/ou organizadora; 28 apresentações de trabalhos científicos em congressos e 136 apresentações de resumos científicos em congressos sobre o universo da Linguística.
LINGUAGEM E LINGUÍSTICA
A autora já inicia seu texto deixando clara a contribuição do seu livro: divulgar a Linguística Integracionista. Ainda que essa linha de pesquisa seja pouco conhecida no meio acadêmico brasileiro, a Linguística Integracionista ao questionar os mitos da ciência saussureana e valorizar as ações integralizadoras na situação comunicacional, buscando promover a tomada de consciência do caráter integral de nossas ações como linguistas e acadêmicos.
Wanderley Geraldi (2003, p. 86) aparece logo no início tendo a oportunidade dada por Claudiana para uma necessária denúncia:
“O linguista tem ocupado os instrumentos que a disciplina foi construindo ao longo da História e foi “picando” morfemas, recortando fonemas, esmiuçando partes da sentença. Estudou a língua e os seus modos de funcionamento interno do sistema e esqueceu da linguagem.”
Acerca disso a autora diz que considera o esquecimento da linguagem como fruto da prática discursiva da Linguística. E, no discurso do saber linguístico, esse esquecimento nada mais é do que um silenciamento.
Isso concorre para o fato de que Fairclough, no texto clássico Critical and Descriptive goals in discourse Analysis (1985) que já alertava para a questão de como as instituições produzem formações ideológico-discursivas.
Negar o processo histórico-discursivo que constituiu o discurso da Linguística como ciência faz parte de um outro modus operandi da ideologia: da dissimulação.
Importante enfatizar que para Rajagopalan (2003), a Linguística desde a sua inserção no mundo acadêmico, fez questão de se projetar como ciência, com todo o rigor da palavra, e essa insistência por parte dos linguistas do início do século XX para caracterizar sua área como ciência distinguindo-a dos estudos dos filólogos e dos gramáticos, fez com que ela desfrutasse do prestígio que a palavra ciência adquirira junto à grande massa dos leigos, e fosse escolhida como a “rainha das ciências humanas”.
Como mostra a autora, não será fácil para os defensores da Linguística saussureana da crítica que o chamado “segundo Wittgenstein” faz quanto como modo como se pode mostrar o sentido das palavras, mostrando a impossibilidade da linguagem privada.
Retomar a reflexão sobre o fazer teoria da linguagem é exatamente a proposta da autora desta obra. Ela acrescenta que:
“É preciso, pois uma reorientação das perguntas: o que é linguagem e qual concepção de linguagem atravessa o nosso próprio ato de teorizar a linguagem? (...) Procuro, também, analisar a desestabilização das convenções discursivas nos discursos atuais sobre a linguagem, argumentando sobre a necessidade de problematização do discurso linguístico tradicional para uma mudança discursiva e uma consequente mudança na prática social dos teóricos da linguagem.” (NOGUEIRA, 2009, p. 55)
O MEDO DA MORTE
Presente no título do livro, a expressão “medo da morte” não fica de pronto muito clara para o leitor do livro, tendo em vista que esta expressão concorre com o esboço sobre a Linguagem e os problemas advindos de sua pretensão como ciência. Mas a partir deste ponto em diante, a autora começa a evidenciar de forma mais contundente o medo a ser enfrentado: o da morte.
Claudiana parte da ideia de que a reformulação teórica de Austin por Searle, sua aceitação e repercussões na Linguística e na filosofia são frutos do mito da linguagem, analisei os processos de produção, interpretação e distribuição do texto de Searle e concluí que as concepções tradicionais do discurso cientificista e positivista, bem como a sua retórica da formalização, configuram - se numa ordem do discurso específica aos estudos da linguagem que, neste trabalho, denomino medo da morte.
Para efetuar esta análise, Claudiana discute o lugar da retórica numa teoria do discurso, promovendo urna revisão teórico-metodológica do método proposto por Margutti Pinto (1998) em sua análise dos procedimentos argumentativos de Wittgenstein.
Com isso, foi elaborado, através do estudo da retórica de Searle interpretando Austin, uma proposta de análise retórica através de urna abordagem critico-discursiva (Fairclough, 2001) condizente com o programa integracionista. Nogueira (2009, p. 68) acerca dessa questão, expõe que:
O medo da morte nos estudos da linguagem é, pois uma ordem do discurso que se caracteriza como a busca de regularidades, de abstração, de idealização dos recortes epistemológicos, o desejo "sensato" por eliminar toda inexatidão e toda a imprevisibilidade, a tentativa de evitar correr o risco de trabalhar com um objeto desconhecido, como a eliminar o desconhecido em nós mesmos: a linguagem.
Completa ainda a mesma autora de que é dito que com a linguagem costuramos nossas identidades numa busca de segurança ontológica (cf Giddens, 2002). Quero acrescentar que uma forma de segurança ontológica para enfrentar os riscos e as incertezas tão comuns à modernidade tardia é costurar a própria linguagem dentro dela mesma (daí usarmos a linguagem formal e formalizável ou meralinguagem para falar da linguagem), amarrando-a num casulo artificial, nestes objetos esdrúxulos chamados de língua autônomas, gramática universal, etc, enfim os saudáveis e sólidos construtos teóricos. Nessa atividade de teorizar a linguagem adquirimos também o nosso próprio casulo protetor.
Se contarmos a teorização da linguagem, diz Claudiana Nogueira, como a utilização de convenções, a busca de parâmetros de regularidades para vencermos o medo do risco, o medo da morte, do desconhecido que representaria a linguagem em seu aspecto totalizante, veremos na história das práticas discursivas sobre a linguagem a tentativa de conter o lugar do conflito. Procurou-se sempre legitimar modos convencionais de lidar com a linguagem "para não expor a própria frustração de não apreender o objeto estudo por inteiro" (Pinto, 2001: 64).
LINGUAGEM COMO UMA FORMA DE VIDA
A dualidade entre vida e morte em se tratando de categorias retóricas analíticas da linguagem é evidenciada por Claudiana Nogueira ao afirmar que:
“Para contestar a hegemonia do discurso formalista e cientificista produzido e reproduzido na prática discursiva dos teóricos da linguagem, apresento a concepção wittgensteiniana de linguagem, a qual possibilitar problematizar a ordem do discurso vigente nos estudos da linguagem, o medo da morte, e tem influenciado teoricamente o integracionismo linguístico”. (NOGUEIRA, 2009, p. 97)
Wittgenstein enfatiza, portanto, que o falar da linguagem é parte de uma atividade: a linguagem é uma forma de vida. Desse modo, em sua segunda fase de aprofundamento das questões sobre a linguagem, Wittgenstein liberta os interessados pela Linguística da visão essencialista da linguagem cujos fundamentos repousam sobre castelos de areia que são destruídos pelo filósofo na medida em que são destruídos também tais fundamentos.
LINGUÍSTICA INTEGRACIONISTA
A autora presta ainda um serviço essencial aos estudantes de Linguística quando, em linhas gerais, nos apresenta as contribuições da Linguística Integracionista aos da linguagem.
A importância do trabalho de Wittgenstein para o integracionismo é, pois, na sua natureza retórica, a de apontar um dos melhores caminhos para mudar a poderosa tradição: voltar-se para o uso e para prática linguística. Contudo, é importante para o integracionismo não apenas enfatizar o uso linguístico, mas a concepção de linguagem em seu contexto cultural. Tal concepção modela nosso comportamento lingüístico e constrói nosso entendimento sobre linguagem como lingüistas e como usuários - construtores da linguagem.
A lingüística integracionista não toma como ponto de partida os objetos chamados línguas, mas sim, simplesmente a tentativa dos seres humanos de integrar o que eles são capazes de fazer dentro dos vários modelos de atividades que nós chamamos de comunicação (cf. Harris, 1998: 4).
O integracionismo dirige sua crítica à lingüística moderna, cujas correntes principais falseiam a relação entre linguagem e comunicação e conseqüentemente falseiam a noção de linguagem. Para Harris (cf. 1998) esse falseamento tem suas raízes em certas concepções que os língüístas elaboram sobre nossas atividades lingüísticas cotidianas. Essas concepções são identificadas como a posição que os íntegracionista chamam de segregacionismo. Sobre a posição segregacionista, Harris apud Nogueira (2009, p. 114) afirma:
O termo alude a noção de que os fenômenos linguísticos e não linguísticos constituem dois domínios de pesquisa, e que ao primeiro domínio pertencem às línguas que estão segregadas do resto. Os estudos das línguas na verdade têm sua própria autonomia dentro do estudo da linguagem, sua própria metodologia e programa(s) de pesquisa. Ele está supostamente independente dos domínios vizinhos; em particular do estudo da comunicação (para o qual ele deveria contribuir mas em que não confia de modo algum.)
CONCLUINDO
Claudiana Nogueira encerra seu livro indicando que a partir da análise retórica do discurso de Jonh Searle, nossas práticas discursivas de teoristas da linguagem são moldadas e moldam convenções discursivas que configuram tais práticas em uma ordem do discurso específica aos estudos da linguagem, chamada medo da morte. Identifiquei os seguintes elementos ou convenções discursivas, partes constituintes do medo da morte: o mito da linguagem, uma concepção estreita de linguagem, a abstração e idealização da realidade linguística, a retórica do formalismo, um ideal de cientificidade e a apresentação da linguagem como meio para representar ou expressar a realidade.
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