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Alexandre Félix

[RESENHA] Linguagem e Medo da Morte: caminhos percorridos por um coração em riste

(ALENCAR, Claudiana Nogueira de. Linguagem e Medo da Morte: uma introdução à Linguística Integracionista. Fortaleza, EdUECE, 2009, 205p)

Segundo Câmara de Senna (1980), “há pessoas que falam, gesticulam, olham e sentem como quem está sempre com o coração em riste.” Assim é a postura de Claudiana Nogueira ao longo de todo seu livro “Linguagem e Medo da Morte” cuja Linguística Integracionista é apresentada em paralelo com um conjunto de denúncias acerca dos problemas advindos da tentativa de supremacia que alguns linguistas mais ortodoxos reclamam ter a chamada ciência da linguagem.


Em cada capítulo do livro vemos a autora arvorando uma bandeira que passa, fundamentalmente, pela liberdade advinda de uma ciência linguística que se desprende de certa "soberba científica" que é peculiar a saberes sistematizados pela humanidade e posta sob o cabresto de uma pseudo-autoria que forja, a priori. um ineditismo temático. 


Claudiana Nogueira, assumindo coragem para todos os enfrentamentos possíveis aos ditames da Linguística ortodoxa, desafia o medo da morte sob a égide da linguagem como forma de vida em Wittgenstein.


Os quatro capítulos que compõem a obra da linguista que tem Pós-Doutorado em Semântica e Pragmática pela UNICAMP apresentam reflexões oriundas da prática discursiva crítica que a autora vem fazendo. Todo esse know-how é corroborado por uma vasta militância na ciência da linguagem, haja vista, 16 artigos científicos publicados; 18 participações em livros publicados como autora e/ou organizadora; 28 apresentações de trabalhos científicos em congressos e 136 apresentações de resumos científicos em congressos sobre o universo da Linguística.


LINGUAGEM E LINGUÍSTICA


A autora já inicia seu texto deixando clara a contribuição do seu livro: divulgar a Linguística Integracionista. Ainda que essa linha de pesquisa  seja pouco conhecida no meio acadêmico brasileiro, a Linguística Integracionista ao questionar os mitos da ciência saussureana e valorizar as ações integralizadoras na situação comunicacional, buscando promover a tomada de consciência do caráter integral de nossas ações como linguistas e acadêmicos.


Wanderley Geraldi (2003, p. 86) aparece logo no início tendo a oportunidade dada por Claudiana para uma necessária denúncia:


“O linguista tem ocupado os instrumentos que a disciplina foi construindo ao longo da História e foi “picando” morfemas, recortando fonemas, esmiuçando partes da sentença. Estudou a língua e os seus modos de funcionamento interno do sistema e esqueceu da linguagem.”

Acerca disso a autora diz que considera o esquecimento da linguagem como fruto da prática discursiva da Linguística. E, no discurso do saber linguístico, esse esquecimento nada mais é do que um silenciamento.


Isso concorre para o fato de que Fairclough, no texto clássico Critical and Descriptive goals in discourse Analysis (1985) que já alertava para a questão de como as instituições produzem formações ideológico-discursivas.


Negar o processo histórico-discursivo que constituiu o discurso da Linguística como ciência faz parte de um outro modus operandi da ideologia: da dissimulação.


Importante enfatizar que para Rajagopalan (2003), a Linguística desde a sua inserção no mundo acadêmico, fez questão de se projetar como ciência, com todo o rigor da palavra, e essa insistência por parte dos linguistas do início do século XX para caracterizar sua área como ciência distinguindo-a dos estudos dos filólogos e dos gramáticos, fez com que ela desfrutasse do prestígio que a palavra ciência adquirira junto à grande massa dos leigos, e fosse escolhida como a “rainha das ciências humanas”.


Como mostra a autora, não será fácil para os defensores da Linguística saussureana da crítica que o chamado “segundo Wittgenstein” faz quanto como modo como se pode mostrar o sentido das palavras, mostrando a impossibilidade da linguagem privada.


Retomar a reflexão sobre o fazer teoria da linguagem é exatamente a proposta da autora desta obra. Ela acrescenta que:


“É preciso, pois uma reorientação das perguntas: o que é linguagem e qual concepção de linguagem atravessa o nosso próprio ato de teorizar a linguagem? (...) Procuro, também, analisar a desestabilização das convenções discursivas nos discursos atuais sobre a linguagem, argumentando sobre a necessidade de problematização do discurso linguístico tradicional para uma mudança discursiva e uma consequente mudança na prática social dos teóricos da linguagem.” (NOGUEIRA, 2009, p. 55)

O MEDO DA MORTE


Presente no título do livro, a expressão “medo da morte” não fica de pronto muito clara para o leitor do livro, tendo em vista que esta expressão concorre com o esboço sobre a Linguagem e os problemas advindos de sua pretensão como ciência. Mas a partir deste ponto em diante, a autora começa a evidenciar de forma mais contundente o medo a ser enfrentado: o da morte.


Claudiana parte da  ideia  de  que  a  reformulação  teórica de Austin por Searle,  sua  aceitação  e  repercussões  na  Linguística  e  na  filosofia  são  frutos  do  mito  da linguagem,  analisei os processos de produção, interpretação e distribuição do  texto de Searle e  concluí que  as  concepções  tradicionais  do discurso cientificista  e  positivista, bem como  a sua retórica da formalização, configuram - se numa ordem do discurso específica aos estudos da linguagem que, neste  trabalho, denomino medo  da morte.

Para efetuar esta análise, Claudiana discute o lugar da retórica numa teoria do discurso, promovendo urna revisão teórico-metodológica do  método  proposto  por  Margutti  Pinto  (1998)  em  sua  análise  dos  procedimentos  argumentativos  de Wittgenstein. 


Com isso, foi elaborado,  através  do  estudo  da  retórica  de Searle  interpretando Austin,  uma  proposta  de  análise  retórica  através  de  urna  abordagem critico-discursiva  (Fairclough, 2001)  condizente  com o  programa  integracionista. Nogueira (2009, p. 68) acerca dessa questão, expõe que:


O medo da morte nos estudos da linguagem é, pois uma ordem do discurso que se caracteriza  como  a  busca  de  regularidades,  de  abstração,  de  idealização  dos  recortes epistemológicos, o desejo  "sensato" por eliminar toda inexatidão e  toda a imprevisibilidade, a tentativa de  evitar correr o  risco de  trabalhar com um objeto desconhecido, como a eliminar o desconhecido em nós mesmos: a linguagem.

Completa ainda a mesma autora de que é dito  que com a  linguagem costuramos  nossas  identidades  numa  busca  de  segurança  ontológica  (cf  Giddens,  2002).  Quero  acrescentar  que  uma  forma  de  segurança ontológica  para  enfrentar  os  riscos  e  as  incertezas  tão  comuns  à  modernidade  tardia  é costurar  a  própria  linguagem  dentro  dela  mesma  (daí usarmos a  linguagem formal e formalizável ou meralinguagem  para  falar  da  linguagem),  amarrando-a  num casulo  artificial, nestes objetos esdrúxulos chamados de língua  autônomas, gramática universal,  etc, enfim os saudáveis  e  sólidos  construtos  teóricos.  Nessa  atividade  de  teorizar  a  linguagem  adquirimos também o nosso próprio casulo protetor.


Se  contarmos a  teorização da  linguagem, diz Claudiana Nogueira, como a utilização de convenções, a busca de  parâmetros  de  regularidades  para  vencermos  o  medo  do  risco,  o  medo  da  morte,  do desconhecido  que representaria a  linguagem em  seu aspecto  totalizante, veremos  na história das práticas discursivas sobre a linguagem a tentativa de conter o  lugar do conflito. Procurou-se  sempre  legitimar  modos  convencionais  de  lidar  com  a  linguagem  "para  não  expor  a própria frustração de não apreender o objeto estudo por inteiro"  (Pinto, 2001: 64).


LINGUAGEM COMO UMA FORMA DE VIDA


A dualidade entre vida e morte em se tratando de categorias retóricas analíticas da linguagem é evidenciada por Claudiana Nogueira ao afirmar que:


“Para contestar a hegemonia do discurso formalista e cientificista produzido e reproduzido na prática discursiva dos teóricos da linguagem, apresento a concepção wittgensteiniana de linguagem, a qual possibilitar problematizar a ordem do discurso vigente nos estudos da linguagem, o medo da morte, e tem influenciado teoricamente o integracionismo linguístico”. (NOGUEIRA, 2009, p. 97)

Wittgenstein enfatiza, portanto, que o falar da linguagem é parte de uma atividade: a linguagem é uma forma de vida. Desse modo, em sua segunda fase de aprofundamento das questões sobre a linguagem, Wittgenstein liberta os interessados pela Linguística da visão essencialista da linguagem cujos fundamentos repousam sobre castelos de areia que são destruídos pelo filósofo na medida em que são destruídos também tais fundamentos.


LINGUÍSTICA INTEGRACIONISTA


A autora presta ainda um serviço essencial aos estudantes de Linguística quando, em linhas gerais, nos apresenta as contribuições da Linguística Integracionista aos da linguagem.


A  importância do  trabalho de Wittgenstein para o  integracionismo é, pois, na sua natureza retórica, a de  apontar um dos melhores caminhos para mudar a poderosa  tradição: voltar-se para o  uso e para prática linguística. Contudo, é importante para o  integracionismo não  apenas  enfatizar  o  uso  linguístico,  mas  a  concepção  de  linguagem  em  seu  contexto cultural.  Tal  concepção  modela  nosso  comportamento  lingüístico  e  constrói  nosso entendimento  sobre  linguagem  como  lingüistas  e  como  usuários  - construtores  da linguagem.


A  lingüística  integracionista  não  toma  como  ponto  de  partida  os  objetos  chamados  línguas, mas  sim,  simplesmente  a  tentativa  dos  seres  humanos de  integrar  o  que eles  são  capazes  de  fazer  dentro  dos  vários modelos  de  atividades  que  nós  chamamos  de comunicação (cf. Harris, 1998: 4).


O  integracionismo  dirige  sua  crítica  à  lingüística  moderna,  cujas  correntes principais  falseiam  a  relação entre  linguagem e comunicação  e  conseqüentemente  falseiam  a noção  de  linguagem.  Para  Harris  (cf.  1998)  esse  falseamento  tem  suas  raízes  em  certas concepções  que os  língüístas  elaboram sobre nossas  atividades  lingüísticas  cotidianas.  Essas concepções  são  identificadas  como  a  posição  que  os  íntegracionista  chamam  de segregacionismo.  Sobre a posição segregacionista, Harris apud Nogueira (2009, p. 114)  afirma:


O  termo  alude  a  noção  de  que  os  fenômenos  linguísticos  e  não  linguísticos constituem  dois  domínios  de  pesquisa,  e  que ao  primeiro  domínio pertencem  às  línguas que estão segregadas do resto. Os estudos das  línguas  na verdade  têm sua  própria  autonomia  dentro  do  estudo  da  linguagem,  sua  própria  metodologia  e programa(s)  de  pesquisa.  Ele  está  supostamente  independente  dos  domínios vizinhos;  em  particular  do  estudo  da  comunicação  (para  o  qual  ele  deveria contribuir mas em que não confia de modo algum.)

CONCLUINDO


Claudiana Nogueira encerra seu livro indicando que a partir da análise retórica do discurso de Jonh Searle, nossas práticas discursivas  de  teoristas  da  linguagem  são  moldadas  e  moldam  convenções  discursivas  que configuram  tais  práticas  em  uma  ordem  do  discurso  específica  aos  estudos  da  linguagem, chamada medo  da morte.  Identifiquei os seguintes elementos ou convenções discursivas, partes constituintes  do  medo  da  morte:  o  mito  da  linguagem,  uma  concepção  estreita  de linguagem,  a  abstração  e  idealização  da  realidade  linguística,  a  retórica  do formalismo,  um  ideal  de  cientificidade  e a  apresentação  da  linguagem  como meio para representar ou expressar a  realidade.

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